sábado, 3 de setembro de 2016

LIVRO AQUÉM DO ALÉM - UM ANTIGO FIDALGO: MENOTTI DEL PICCHIA

NOS NOSSOS TEMPOS INFANTIS DE COLÉGIO SEMPRE ÉRAMOS OBRIGADOS A LER TEXTOS DOS ESCRITORES BRASILEIROS, INTERESSANTES OU NÃO.
POR SEREM IMPOSTOS, MUITOS SE TORNAVAM UM ENTRAVE E, TAMBÉM, AINDA NÃO TÍNHAMOS O DISCERNIMENTO CERTO DE AVALIAÇÃO.
UM LIVRO, NO ENTANTO, QUE SEMPRE ME AGRADOU, PELA HISTÓRIA IMPOSSÍVEL DE UM AMOR CAIPIRA, FOI JUCA MULATO, DO AUTOR MENOTTI DEL PICCHIA. EU TINHA PENA DA SINA DO POBRE JUCA, POR SEU SOFRIMENTO SEM DIREITO A QUALQUER ESPERANÇA.
NA MINHA FASE ADULTA, AO TRABALHAR NA TELEVISÃO CULTURA, EM SÃO PAULO, GRANDE PARTE DA PRODUÇÃO ERA REALIZADA SOBRE A ARTE BRASILEIRA. ENTRE AS INÚMERAS, HAVIA AS DE ENTREVISTAS NA RESIDÊNCIA DE FAMOSOS. UMA DELAS: MENOTTI DEL PICCHIA. APÓS ASSISTI-LA, DENTRE OS ARROUBOS QUE ME ACOMETEM, UMA TARDE, SEM MAIOR CERIMÔNIA, SABENDO QUE O POETA MORAVA NA AV. BRASIL, SIMPLESMENTE ALI APARECI, COM “O JUCA” DEBAIXO DO BRAÇO. TALVEZ ISSO FOSSE MEIO COMUM, PARA ELES, PORQUE ME APRESENTEI COMO DA TELEVISÃO, MAS, PARA PEDIR UM AUTÓGRAFO AO MEU LIVRO.
E FUI RECEBIDO SEM QUALQUER PROBLEMA OU ESPANTO.                                        

AO ENTRAR NUMA SALA ANTIGA, GOSTOSA, FAMILIAR, ME ATENDEU D. HELENA, SENHORA DE MEIA IDADE, MAGRA E ALTA. CONVERSAMOS SOBRE MIM, COMENTEI A ADMIRAÇÃO ANTIGA PELO TEMA E ELA CHAMOU O POETA, QUE ENTROU COM O AR GENTIL E CARINHOSO QUE ME MARCA ATÉ HOJE. APÓS NOVAS APRESENTAÇÕES E IDENTIFICAÇÕES, FALAMOS SOBRE O JUCA, ELE DEU DETALHES DA ÉPOCA, GOSTOU DE CONHECER A NOVA VERSÃO QUE EU HAVIA LEVADO, QUE RESPEITOU AS ANTIGAS, MANTENDO AS ILUSTRAÇÕES DE PORTINARI, DI CAVALCANTI, TARSILA, ANITA MALFATTI E DO PRÓPRIO MENOTTI. QUANDO ELE PERGUNTOU O QUE EU GOSTAVA NO LIVRO, COMO JÁ COMETIA O PECADO DE ACHAR QUE COMPUNHA POESIA, DISSE QUE ERA NÃO SÓ PELA HISTÓRIA, MAS PELA CADÊNCIA RÍTMICA TÃO SONORA E SENSÍVEL E A AMBIENTAÇÃO ENTRE A VIDA TERRENA RURAL E O ONÍRICO CELESTIAL.
A RESPOSTA O SATISFEZ E ELE CONTOU FATOS SOBRE A ESCRITA E OUTROS DA FASE MODERNISTA. COM A MINHA CURIOSIDADE INSACIÁVEL, FIZ PERGUNTAS SOBRE A SEMANA DE 22, SOBRE OUTROS ARTISTAS E REPAREI QUE ELE COMENTAVA COM GRANDE PRAZER.
UM POUCO DEPOIS, ENTROU D.HELENA, COM UMA BANDEJA DE CAFÉ E UMAS TORRADINHAS SEMI-QUEIMADAS. FOI QUANDO ELE ME PERGUNTOU:
- SABE QUEM É ESSA SENHORA?
PENSEI QUE FOSSE PARENTE, MAS NADA FALEI.
- É FILHA DO CHARLES MILLER.
POR SORTE EU SABIA QUEM ERA CHARLES MILLER, ATÉ PORQUE A PRAÇA EM FRENTE AO ESTÁDIO DO PACAEMBU, EM SÃO PAULO, TEM O SEU NOME.
- DO INTRODUTOR DO FUTEBOL AQUI NO BRASIL?
- ELE MESMO. A HELENA É MINHA ENTEADA, FILHA DELE COM A GRANDE PIANISTA ANTONIETTA RUDGE, COM A QUAL, MAIS TARDE, ME CASEI.
- QUE HONRA DUPLA PARA MIM.
A FAMOSA E INTERNACIONAL PIANISTA FALECEU EM 1974 E A FILHA FICOU MORANDO PARA SEMPRE COM MENOTTI. MAIS TARDE, O AUXILIOU EM TODOS OS MOVIMENTOS ARTÍSTICOS NOS QUAIS ELE SE ENVOLVEU.
A CONVERSA CONTINUOU MUITO SIMPÁTICA E PARA NÃO INCOMODAR MAIS, PERGUNTEI SE ELE PODERIA AUTOGRAFAR O LIVRO. O FEZ PRONTAMENTE E D. HELENA, QUE ACREDITO QUE TIVESSE ACHADO GRAÇA EM TUDO ISSO, FALOU:
- MENOTTI, FAZ TAMBÉM A CHARGE DO SEU PERFIL.
FOI QUANDO VI A DESTREZA DELE COM O DESENHO. EM MINUTOS FEZ UM PEQUENO AUTO-RETRATO, BRINCANDO QUE ERA UMA CARICATURA.
NA DESPEDIDA, CONVIDOU-ME A VOLTAR, PARA ALEGRAR A CONVERSA DA CASA.
VOLTEI ALGUMAS VEZES, SEMPRE COM GRANDE CARINHO. ELE CONTAVA COISAS DA LITERATURA, DO MODERNISMO, ME MOSTROU O QUADRO DOS SETE ANÕES, QUE HAVIA PINTADO, COM SETE DOS INTELECTUAIS DA SEMANA E A D. HELENA, COM PROPOSITAL NARIZ COMPRIDO, COMO UMA CÔMICA BRANCA DE NEVE, TOMANDO CONTA DE TODOS, EM SUAS CAMINHAS.
O QUADRO ERA UMA BRINCADEIRA, É CLARO.
SUA SALA TINHA DIVERSAS OBRAS DE INÚMEROS AMIGOS, TODOS LUMINARES DA ÉPOCA DE OURO DA MODERNA PINTURA E ESCULTURA BRASILEIRAS, INCLUSIVE BRECHERETS, DO QUAL ERA AMIGO.
ELE FICAVA CONTENTE EM MOSTRAR PEQUENAS CURIOSIDADES. UMA DELAS ERA A XÍCARA DE CAFÉ QUE TINHA SERVIDO AO PRESIDENTE JUSCELINO KUBITSCHEK, NUMA VISITA. NUNCA MAIS ELES A LAVARAM E A PEQUENA MANCHA DE CAFÉ POUSAVA ALI COMO UMA RELÍQUIA. ERA INTERESSANTE E HISTÓRICO.
EM UMA OUTRA TARDE, A SALA PARECIA TER TIDO UMA FESTA. NA NOITE ANTERIOR O RELÓGIO CARRILHÃO HAVIA COMPLETADO CEM ANOS DE SERVIÇOS À FAMÍLIA, COM O COMPARECIMENTO DE TODA A GERAÇÃO QUE O CONHECEU. AO INVÉS DAS TORRADINHAS, EU GANHEI O MEU PEDAÇO DE BOLO. ESSES FATOS, PARA MIM, ERAM DELICIOSOS.
FALAVA BASTANTE SOBRE O TALENTO DE ANTONIETTA RUDGE, QUE SE FOI MUITO CEDO E LAMENTAVA QUE VÂNDALOS TIVESSEM ROUBADO UM BUSTO, FEITO PELO ESCULTOR LUIZ MORRONE, COLOCADO NA ANTIGA PRAÇA PORTUGAL, NA AV. REBOUÇAS, ANTES DA REFORMA DAS AVENIDAS. (BEM APÓS, FOI ENCONTRADO).
NOS NATAIS, EU PROCURAVA OS CARTÕES MAIS BONITOS E CAROS PARA ENVIAR-LHE. A TODOS RESPONDIA COM ATENÇÃO.
NA IDADE AVANÇADA PASSOU A RECEBER MENOS E EU DEIXEI DE SER IMPORTUNO.
FALECEU EM 1988.
HOJE, O QUE MAIS ME ENCANTA EM LEMBRAR É SUA MANEIRA EM ME ACOLHER. HAVIA UM DESEMPENHO SOCIAL, SEM ETIQUETAS, SIMPLES E DE EXTREMA EDUCAÇÃO. 

SEMPRE TIVE ESPÍRITO COLECIONADOR. APÓS ESSE, COMECEI À CAÇA DE LIVROS EM PRIMEIRA EDIÇÃO AUTOGRAFADOS. ENCONTREI VÁRIOS EM VELHOS SEBOS E JÁ NEM LEMBRO SE RELATEI EM OUTRO TEXTO QUE ENCONTREI UM LIVRO PARA O GOVERNADOR ADEMAR DE BARROS, DE SÃO PAULO, AUTOGRAFADO PELO SIR WINSTON CHURCHILL, EX- PRIMEIRO MINISTRO INGLÊS, UM DOS HERÓIS POLÍTICOS DA 2ª GUERRA MUNDIAL. SE JÁ TIVER CONTADO, A IMPORTÂNCIA MERECE UM SEGUNDO REGISTRO.
COM O TEMPO, A MUDANÇA DE INTERESSES ARTÍSTICOS E NÃO PODENDO MAIS SUPORTAR O ODOR DE LIVRO VELHO, FUI ME DESFAZENDO PRATICAMENTE DE TODOS. O ÚNICO QUE MANTIVE FOI O JUCA MULATO, POR TODA A HISTÓRIA QUE O ACOMPANHA.
MENOTTI DEL PICCHIA ALÉM DE TUDO O QUE FEZ INTELECTUALMENTE COMO POETA, JORNALISTA (FUNDOU A REVISTA A CIGARRA), ESCRITOR, TEATRÓLOGO (AS MÁSCARAS), FOI, TAMBÉM, PARA MIM, O FIDALGO, REPRESENTANTE DE UM TEMPO, NO QUAL INSTRUÇÃO, BOM GOSTO NA ESCOLHA DE TEMAS E CORTESIA ERAM OS ITENS OBRIGATÓRIOS DAS CONVERSAS. 

(AO CONTRÁRIO DA ATUALIDADE, QUE, COMO DIZIA QUERIDA AMIGA, EM TODA A REUNIÃO, OS ASSUNTOS ACABAM TÃO ÍNTIMOS QUE PARECEM SESSÕES PSICANALÍTICAS DE GRUPO).
OUTROS FIDALGOS, QUE CONHECI, EMBORA SEM MAIORES AMIZADES, FORAM: ALFREDO MESQUITA (SEMPRE POSER), RUBENS BORBA, ANTÔNIO CÂNDIDO, ANTÔNIO ALVES DE LIMA, ALEXANDRE EULÁLIO, PAULO EMÍLIO SALLES GOMES ...                                                                                                                  
A MAIOR PARTE, TIVE O IMENSO PRAZER DE ENCONTRAR, AO FREQUENTAR A CASA DE OUTRO GRANDE: ORÔNCIO VAZ DE ARRUDA FILHO, AMIGO DE TODOS.
ESCRITOR DE MEMÓRIAS, PRIMO DISTANTE DE MÁRIO DE ANDRADE, FOI O PRIMEIRO DIRETOR CULTURAL DA FUNDAÇÃO MARIA LUIZA E OSCAR AMERICANO. ALI RECEBIA AUTORIDADES, INTELECTUAIS, NOBRES, INCLUSIVE D. MARIA JOSÉ, DESTRONADA RAINHA DA ITÁLIA. TINHA GRANDE ADMIRAÇÃO PELA NOBREZA E REALEZA, POR SUAS PARTICIPAÇÕES NA HISTÓRIA UNIVERSAL. (COMO EU, ALIÁS)
A CONDESSA DE PARIS, QUE EM CASO DA VOLTA DA MONARQUIA SERIA RAINHA DA FRANÇA, LANÇOU, NA FUNDAÇÃO, UM LIVRO DE MEMÓRIAS, POR SEU EMPENHO.
CASADO COM A PINTORA RAQUEL CORRÊA, FREQUENTANDO OS MAIS DIVERSOS MEIOS SÓCIO-CULTURAIS, ERA TÃO ELEGANTE, QUE OS AMIGOS BRINCAVAM QUE ELE ASSINAVA SEUS ARTIGOS E DOCUMENTOS COM PENA DE MANDARIM CHINÊS. ERA ASSIM QUE O CRÍTICO TELMO MARTINO, DO JORNAL DA TARDE, REFERIA-SE A ELE EM SEUS ARTIGOS.
FOMOS GRANDES AMIGOS, APESAR DA DIFERENÇA DE IDADE E, COM ELE, MUITO APRENDI.
QUANDO RECORDO, VEJO COMO ISSO ESTÁ LONGE NO TEMPO, NAS DÉCADAS PASSADAS DE 70 E 80 E AINDA TÃO BRILHANTE NA MEMÓRIA.
COMENTANDO SOBRE A LEMBRANÇA QUERIDA DE MENOTTI DEL PICCHIA, ALIEI AO TEXTO, POR CONTÁGIO DE GRANDEZAS, OUTRAS DISTINÇÕES.
QUE BOM TER TODA ESSA MEMÓRIA AFETIVA. 


OBS:
ESCRITO EM 1917, JUCA MULATO TRANSFORMOU-SE NO MAIOR SUCESSO EDITORIAL DA OCASIÃO, ELOGIADO POR ESCRITORES E CRÍTICOS.
SUA TIRAGEM, ATRÁVES DOS ANOS, ATINGIU MAIS DE UMA CENTENA DE EDIÇÕES.
SEGUNDO MENOTTI: “COMPÕEM O POEMA: O CEÚ E A TERRA. O CHÃO QUE ABRIGA O HOMEM E O SUSTENTA E O MISTÉRIO DO AZUL DE DIMENSÃO MÁGICA QUE O ENVOLVE”.