QUEM JÁ NÃO PASSOU POR FATOS INESPERADOS, ESTRANHOS, ÀS VEZES RIDÍCULOS?
COMIGO ACONTECEM OS MAIS DIVERSOS, TANTO ENGRAÇADOS QUANTO DESAGRADÁVEIS.
UM DELES DARIA BOM TEMA PARA UM FILME CURTA METRAGEM.
QUANDO MEU PAI FALECEU, COMECEI “VISITÁ-LO” NO CEMITÉRIO COM UMA FREQUÊNCIA EXAGERADA. SEMPRE FAÇO ISSO NUMA PERDA QUERIDA PORQUE, AFINAL, SEI QUE ALI É QUE ESTÁ A PESSOA, CONCRETAMENTE.
SEPULTADO NUMA CAMPA ANTIGA, PERTENCENTE À FAMÍLIA DE SUA VIÚVA, A CONSTRUÇÃO BASTANTE DETERIORADA, PRECISAVA DE UMA BOA REFORMA, QUE, POSTERIORMENTE, REALIZAMOS.
A TUMBA, COM O ASPECTO NORMAL DE TODAS, TINHA UMA PEQUENA CAPELA, EM CIMA, FECHADA NA FRENTE E NAS LATERAIS POR VIDRAÇAS ESCURAS, APOIADAS EM FERRAGENS MUITA VELHAS E ENFERRUJADAS.
DECIDIMOS TIRAR TUDO, DEIXAR SÓ A CONSTRUÇÃO EM PEDRA E FAZER UM CLAREAMENTO NA AÇÃO DO TEMPO. DESPOJADO DOS EXCESSOS, REVELOU-SE UM PEQUENO TEMPLO, NO ESTILO GREGO, COM FRONTAL TRIANGULAR SUSTENTADO POR DUAS COLUNAS E PAREDE APENAS NO FUNDO, TENDO UM NICHO PARA IMAGEM.
A SIMPLICIDADE E ELEGÂNCIA DAS LINHAS, NOS DEIXARAM ADMIRADOS.
CONTINUANDO (PELO MENOS NO INÍCIO) A IR COLOCAR FLORES, ME INCOMODAVA VER ALGUMAS MANCHAS QUE O PEDREIRO DEIXARA, AO TAPAR BURACOS DA FERRAGEM, COM CIMENTO DIFERENTE, NA PAREDE INTERNA. ERAM MUITO VISÍVEIS E EU, NEURÓTICO QUE SOU, RESOLVI COMPRAR UMA TINTA, PINTÁ-LAS, IGUALANDO-AS À COR DOMINANTE.
NUM SÁBADO À TARDE, MESMO REPARANDO NUMAS NUVENS ESCURAS QUE ESTAVAM SE FORMANDO, INICIEI A AVENTURA.
À MEDIDA QUE APRESSAVA O TRABALHO, POIS NÃO PODIA PARAR NA METADE, AS NUVENS IAM FICANDO MAIS AMEAÇADORAS. E NÃO DEU OUTRA. LOGO, UM TEMPORAL ABRUPTO JORROU E EU NÃO SABIA O QUE FAZER. SE CORRESSE ATÉ A CAPELA CENTRAL IA CHEGAR ENSOPADO.
COMO SOU PEQUENO E PORTÁTIL, DECIDI SUBIR E ME AGACHAR DENTRO DO TEMPLO, ATÉ AMAINAR.
PERMANECI ALI, ENCOLHIDO, UMA BOA MEIA HORA, COM O CUIDADO DE NÃO ENCOSTAR NA PINTURA. MEU PRIMEIRO PENSAMENTO FOI O SUSTO QUE ALGUÉM TERIA SE PASSASSE E ME VISSE. MAS, O SEGUNDO PENSAMENTO FOI BEM MAIS ATERRADOR: E SE A OBRA NÃO SUSTENTASSE MEU PESO, TUDO RUÍSSE, COMIGO, LÁ PARA BAIXO?
RESOLVI ME APOIAR, COM OS BRAÇOS, NUM MURO DE FORA, LATERAL, NÃO IMPORTANDO QUE FICASSEM MAIS MOLHADOS DO QUE JÁ ESTAVAM.
O JAZIGO TEM UMA VISTA GERAL PARA GRANDE PARTE DO CEMITÉRIO.
PARA CORROBORAR A INSÓLITA SITUAÇÃO, NO MEIO DA INTENSA CHUVA, VI, HÁ UNS DUZENTOS METROS, UMA MOÇA LOIRA, BONITA, DE CABELOS COMPRIDOS, CORRER, TODA MOLHADA, EM DIREÇÃO A UM TÚMULO, AJOELHAR-SE E CHORAR COPIOSAMENTE.
FIQUEI SUPER CONSTERNADO AO OBSERVAR CENA TÃO TRISTE. ELA ESFREGAVA AS MÃOS NA PEDRA COMO SE QUISESSE ABRAÇÁ-LA OU ABRI-LA E REVELAVA SUA DOR COM BASTANTE DESESPERO.
SEM RESOLVER SE DEVIA IR OU NÃO ATÉ LÁ, UNS CINCO MINUTOS DEPOIS, VEIO UM RAPAZ, DE TERNO, CORRENDO, COM UM GUARDA-CHUVA E UMA CAPA. ENVOLVEU A MOÇA E, COM MUITA DIFICULDADE, CONSEGUIU TIRÁ-LA DE LÁ.
OS DOIS SAÍRAM APOIADOS, ELA CONTINUANDO A SOLUÇAR E SUMIRAM ATRÁS DAS ÁRVORES.
NÃO SEI EXPLICAR PORQUE, MAS, PRESSENTI QUE ELES SOFRESSEM A PERDA DE UM FILHINHO.
APÓS TAL DRAMA, ATÉ ESQUECI MEU MEDO DE CAIR.
A TEMPESTADE, TÃO REPENTINAMENTE QUANTO VEIO, TÃO REPENTINAMENTE PASSOU.
COMO TINHA CONSEGUIDO TERMINAR A PINTURA, QUE, FELIZMENTE, PROTEGIDA PELO TELHADO E PELO MEU CORPO, NÃO SE MOLHOU, SAÍ DO CUBÍCULO, PEGUEI MINHA SACOLA COM LATA, PINCEL E PANOS, COMPLETAMENTE ENCHARCADOS E JOGUEI TUDO NO PRIMEIRO CESTO DE LIXO.
FUI EMBORA, EVITANDO AS POÇAS D'ÁGUA, QUE REFLETIAM UM CÉU COMEÇANDO A AZULAR, CISMANDO SOBRE O ESTRANHO ACONTECIMENTO VIVIDO.
